Direito à saúde: limites e ponderações
- Grupo de Estudo e Pesquisa em Economia da Saúde
- 6 de jun. de 2019
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A temática da saúde pública tem sido, com frequência, objeto de discussão, tanto na área jurídica, pelo fato de se tratar de um direito de todos, previsto pelo legislador constituinte como sendo dever do Estado, quanto na área econômica, tendo em vista que tal direito deve ser garantido por meio de políticas sociais e econômicas.
Ocorre que, nas últimas décadas, os desafios concernentes à implementação de estratégias que tornem o direito à saúde, de fato, efetivo, têm feito com que um número cada vez maior de demandas chegue ao judiciário, fazendo com que este passe a interferir, diretamente, na dinâmica desenhada pela administração pública para o gerenciamento da saúde no Brasil.
Segundo pesquisa realizada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no Relatório Analítico Propositivo Justiça Pesquisa, o número de demandas judiciais relativas à saúde aumentou 130% entre 2008 e 2017, enquanto que o número total de processos judiciais cresceu 50%. Ainda no mesmo documento, o Ministério da Saúde aponta que, em sete anos, houve um crescimento de, aproximadamente, treze vezes, nos seus gastos com demandas judiciais, atingindo R$ 1,6 bilhão em 2016.
Sabe-se que tal realidade tem afetado a política geral de saúde e levado o próprio judiciário a repensar os parâmetros estabelecidos para a tomada de decisão, bem como os critérios utilizados para a concessão dos pedidos nas ações judiciais dessa natureza.
A verdade é que, por muito tempo, o magistrado decidiu, nesses casos, de forma ”solitária”, isto é, sem estar amparado por qualquer suporte técnico que o auxiliasse com informações relevantes para a formação de sua convicção no momento da sentença, o que muito contribuiu para a configuração da realidade demonstrada pelos números acima.
Nesse contexto, o CNJ, juntamente com o Ministério da Saúde, vislumbrando a necessidade de uma estratégia que visasse amparar o magistrado com subsídios para decidir de forma mais justa, criou, em 2017, o e-NatJus, que consiste em um cadastro nacional de pareceres, notas e informações técnicas. A plataforma digital oferece base científica para as decisões dos magistrados de todo o país quando precisarem julgar demandas de saúde.
Faz ainda parte da política judiciária para a saúde a criação do Fórum Nacional do Judiciário para a Saúde e dos Comitês Estaduais de Saúde, compostos por profissionais de saúde que deverão, por meio de pareceres, colaborar com o juiz estadual, fornecendo-lhe ainda mais embasamento para que conceda um bom direito.
A preocupação do Poder Judiciário com as implicações que o aumento nas ações sobre saúde tem causado na gestão do sistema como um todo pode ainda ser ilustrada a partir do recentíssimo julgado do STF, no dia 22 de maio de 2019, no qual foi discutida a constitucionalidade do art.19 T, da lei 8.080/1990, que veda, em todas as esferas de gestão do SUS o pagamento, o ressarcimento ou o reembolso de medicamento experimental ou de uso não autorizado pela ANVISA.
Como tese para efeito de aplicação da repercussão geral, a Suprema Corte fixou que: 1) O Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamentos experimentais; 2) A ausência de registro na ANVISA impede, como regra geral, o fornecimento de medicamentos por decisão judicial; 3) É possível, excepcionalmente, a concessão judicial de medicamento sem registro sanitário, em caso de mora irrazoável da ANVISA em apreciar o pedido, quando preenchidos três requisitos: I- A existência de pedido de registro do medicamento no Brasil, salvo no caso de medicamentos órfãos para doenças raras e ultrarraras, II- a existência de registro do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior, III- a inexistência de substitutos terapêuticos com registro no Brasil; 4) As ações que demandarem o fornecimento de medicamentos sem registro na ANVISA deverão ser necessariamente propostos em face da União.
Assim sendo, pode-se constatar a existência de um juízo de ponderação e razoabilidade por parte do judiciário, entre o direito de acesso à justiça, o direito à saúde e o caráter limitado dos recursos destinados à saúde pelo Estado. Aguardemos, então, o próximo levantamento, para que, a partir dos dados numéricos, possamos verificar a real aplicabilidade da política proposta pelo CNJ e a eficácia das medidas por ele adotadas.
1. Contexto que ficou conhecido como “Ativismo Judicial”.
2. Disponível em: https://static.poder360.com.br/2019/03/relatorio-judicializacao-saude-Insper-CNJ.pdf. Acesso em: 27 de maio de 2019.
3. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/forum-da-saude/e-natjus. Acesso em: 27 de maio de 2019.

Luize Êmile Cardoso Guimarães é proprietária da Scientia – Assessoria Acadêmica. Docente do curso de Direito da Faculdade de Ciências Humanas do Sertão Central – FACHUSC. Mestre em Direito Econômico pelo Programa de Pós Graduaçã o em Ciência Jurídicas da UFPB – PPGCJ/UFPB. Bacharel em Direito pela UFPB.
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